Quando o livro está tentando te matar
Das dificuldades de escrever um romance e ser uma pessoa ao mesmo tempo
Listrava Dedodemoça está tendo um péssimo dia. O que é engraçado, considerando onde ela está. A maga não sabia que esse lugar existia antes de hoje, mas agora ela tem certeza que ele foi tirado de algum de seus sonhos mais profundos. Um laboratório lindo, enorme, completamente equipado e, melhor de tudo, escondido no subterrâneo de uma ilha deserta e isolada — ela não consegue pensar em nenhum lugar melhor para se estar.
Exceto, é claro, por um pequeno detalhe: o laboratório está tentando assassiná-la.
De certa forma, a situação da boa e velha Listrava é familiar: é assim que é escrever um livro.
(Pelo menos para mim.)
O trecho que começa esse post não é parte do meu livro, mas poderia ser. A situação é essa, mas há muitos detalhes e variáveis que deixam tudo muito mais complicado e interessante. Bem mais difícil de escrever também.
De certa forma, um dia ruim para Listrava & Seus Amigos é um bom dia para mim, mas não contem para ela, por favor.
Eu queria escrever sobre escrever um livro há algum tempo, e os motivos para isso são os mesmos pelo qual eu não escrevi até agora:
Escrever um livro é uma coisa muito difícil; e
Todo o meu tempo e energia estão investidos nisso.
Todo talvez seja um exagero, mas é exatamente assim que eu me sinto. Existem as demandas da Maré Geek — manter um canal, tocar uma empresa, administrar alguns programas —, e as terríveis Demandas Exteriores — cuidar do corpo, da casa, fazer trabalhos por fora para pagar as contas, escrever uma newsletter, alô?, et cetera —, mas no fim do dia é como se quase tudo fosse secundário frente à tarefa hercúlea de escrever um romance.
Falo de Hércules, mas talvez o trabalho seja mais parecido com o de Sízifo. Ou Atlas, se você parar para pensar. Na maior parte dos dias, me sinto mais como Prometeu: pagando o preço de roubar uma ideia, um corvo devorando minhas entranhas, perugntando para mim mesmo por que comecei isso em primeiro lugar?
(Claro, eu sei porquê. Tal qual Listrava, segui um impulso até encontrar algo saído dos meus sonhos. Infelizmente esse algo estava tentando me matar.)
Então, sim, o motivo pelo qual eu não tenho escrito muito por aqui é muito simples: porque eu tenho escrito MUITO em outro lugar. E enquanto minha cabeça está cheia de magas resmungonas, arqueiras soturnas, e uma miríade de garotos brilhantes, mimados e perdidos, fica difícil dedicar minha energia criativa a coisas que não estão tentando me matar. Uma questão de prioridades, claro.
Como um parênteses, vocês gostariam de ler ficção por aqui? Isso faz sentido para vocês?
Tenho algumas coisas que nunca compartilhei (ou só com os apoiadores do catarse da Maré Geek) e que poderia soltar por aqui se houver interesse. O que vocês acham?
[estou pensando no conto “Brincos”, que se passa no mesmo universo do meu livro e fala sobre uma amizade improvável, e em outros contos de fantasia/ficção científica sortidos que tenho e/ou escreverei]
Mas eu posso (e quero!) falar um pouco sobre o livro, e sobre escrever um livro em geral.
Estou trabalhando em Chama Azul desde 2021. É uma aventura em um mundo de fantasia (o mesmo mundo onde se passam as séries do 20 Natural), sobre um grupo de desajustados que se tornam amigos, aventureiros improváveis e encrenqueiros de primeira. Comecei a escrever num ímpeto porque queria escrever uma história sobre amizade, e todo o resto veio a partir disso. Delila Soprovento invadiu meus pensamentos como uma flecha, e a partir daí seus amigos seguiram um a um, junto com um séquito de inimigos poderosos.
E eu estou muito animado! Posso dizer que sou veterano nisso, de certa forma. Escrevi meu primeiro livro quando tinha dezesseis anos (hoje tenho trinta e dois!! Faz dezesseis anos! minha cabeça explodiu agora ao fazer as contas), e desde então escrevi uma boa cota de histórias completas, a maioria das quais, felizmente, não virá a público pelo bem de todos nós. Desde então escrevi roteiros para múltiplos filmes (alguns na gaveta, outros não posso falar a respeito) e também uma série indicada a dezenas de prêmios internacionais.

Além, é claro de muitos anos mestrando RPG ao vivo pela Maré Geek, incluindo o que eu acredito ser a maior campanha de RPG solo streamada ao vivo de todo o sistema solar (embora eu possa estar errado, então melhor checar as suas fontes…).
E isso não é para me gabar (embora Auto-estima seja uma ferramenta política!!), mas para dizer que o que eu estou preparando com muito carinho agora tem potencial para ser a melhor coisa que eu já publiquei até agora. E que vai valer a pena a espera!
Um dos motivos pelo qual demorou tanto foi justamente a produção da Terceira Temporada de Desaventureiros, que tomou todo meu tempo e minha atenção durante pouco mais que dois anos no meio do caminho. Mas, uma vez entregue a temporada, eu decidi para mim mesmo que precisava terminar o que tinha ficado em aberto, então mergulhei de cabeça desde o começo para desatar todos os nós da história e levá-la até o final!
E agora eu posso dizer com felicidade que estou acabando! Atualmente estou escrevendo a versão 3, e faltam só três capítulos, mas agora está tudo sólido e quase pronto. Depois disso, eu e meu editor, Fai Mazell, daremos uma boa polida, alguns dos meus leitores de confiança vão me dar seus ingisht e, se tudo der certo, até o final do ano teremos a história publicada… Esse é o plano e esse é o sonho.
Tudo correndo de acordo com o planejado, o que, convenhamos, nunca é exatamente assim. Pelo menos quando a dramaturgia é boa.
Legal, mas e o processo? Por que é tão difícil, afinal, escrever um livro?
Ótima pergunta, queride leitor atento. Uma que eu realmente não respondi e não sei se posso…?
Mas vou tentar.
Em primeiro lugar, porque são muitas palavras? Eu sou uma pessoa muito concisa verbalmente, mas quando estou escrevendo sei que as coisas podem ficar um pouco extensas. Isso não quer dizer que é um livro prolixo: eu tento limpar tudo que está sobrando o tempo todo, mas escrever um romance de fantasia dando atenção para cinco personagens diferentes requer espaço. E eu cedo esse espaço a eles. E como eu acredito em fazer o melhor trabalho possível, trata-se não só de escrever mais de cem mil palavras (é.), mas de reescrever e de re-reescrever. Tudo isso pra entregar uma história que eu acho que merece ser lida. Uma boa história. É, dá trabalho.
Mas em segundo, e com certeza mais importante, porque escrever um livro é como tecer uma história com os fios da sua alma. Então o trabalho de olhar com sinceridade para o que a página quer é olhar com sinceridade para o que há em meu coração e entrelaçar os fios sem desviar o olhar? E isso leva tempo e exige toda a minha dedicação e energia.
Ou seja, às vezes sinto que ser um autor e ser uma pessoa são duas coisas antitéticas.
Ao fim de um dia de escrita, eu muitas vezes não tenho energia para nada que não sentar e assistir um pouco de youtube qualquer (tenho adorado vídeos sobre histórias de algo que não tem nada a ver com a minha vida, como os documentários do BobbyBroccoli ou vídeo-ensaios!). Eu não quero sair, não quero ver ninguém, não quero conversar. Idealmente, eu estaria isolado, sentado em umma cadeira de balanço em silêncio e esperando o próximo dia para recomeçar. Repetindo por meses até acabar.
Então, bom, às vezes fica difícil equilibrar a troca constante de chapéus que envolvem ser um polímata moderno (polímata, eu amo essa palavra). Prometo que, quando acabar, voltarei com mais frequência, mas já estou com ideias para mais textos por aqui, e devo voltar com mais em breve de um jeito ou de outro.
Agora, com a licença de vocês, eu preciso voltar para o meu laboratório. Ele não está mais tentando matar a Listrava, mas as pistas do que fazer a seguir são escassas e o pobre Alek está prestes a ter uma péssima noite.
Me desejem sorte.
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Lucas